A Revolução dos Bichos: Uma Crônica “Antidemocrática”
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📷Imagem Ilustrativa © Reprodução |
George Orwell (1903-1950) escreveu o livro A Revolução dos Bichos em 1945 como crítica ao regime soviético, mas, em suas metáforas, revelou toda a sua abominação ao autoritarismo: familiar, estatal, capitalista e comunista. Apesar de ter sido publicado em agosto de 1945 e, portanto, para outra realidade político-administrativa, a história da Granja do Solar continua atual, já que regimes autoritários, infelizmente, ainda prosperam em pleno século XXI.
A Revolução dos Bichos – que se baseava no Animalismo, uma ideologia criada pelos porcos para justificar o novo regime, prometendo igualdade entre os animais - satiriza personalidades que, direta ou indiretamente, foram cúmplices do regime de Stalin, na União Soviética de 1917. O idealizador da revolução, Major, o porco barbudo, incorpora as ideias de Karl Marx; “Bola-de-Neve”, o porco intelectual, representa Leon Trotsky; Napoleão, o porco violento, sucessor de Major e quem iniciou a revolução na Granja do Solar, representa Stalin; os cães de guarda de Napoleão constituem o exército pessoal e, finalmente, o restante dos bichos - Maricota, Sansão, Quitéria, Mimosa, Benjamim - representam o povo, cheio de esperanças por uma vida mais igualitária, mas carregado de ilusões que, pouco a pouco, vão se esfarelando.
As coincidências da fábula de Orwell com regimes autoritários que assolam a humanidade - e com a realidade de países à beira do autoritarismo, como o Brasil - são flagrantes.
Em Orwell (1945, p. 49), “Napoleão deu ordens para que as tulhas quase vazias fossem recheadas de areia até a boca, completadas com cereais e farinha. Whymper foi conduzido ao depósito e, enganado, disse que não havia falta de alimento na Granja dos Bichos". O trecho ecoa as maquiagens estatísticas da maioria dos governantes brasileiros, que criam números e índices falsos para jogar a inflação, o desemprego e a fome para debaixo do tapete - tudo para ludibriar a opinião pública, enquanto os mais pobres continuam com a mesa vazia.
Mais adiante (p. 79), “Parecia como se a granja houvesse se tornado rica sem que nenhum animal tivesse enriquecido - exceto, é claro, porcos e cachorros”. A semelhança é gritante: na Granja do Solar, a base da pirâmide trabalhava arduamente para enriquecer e beneficiar os já privilegiados. Aqui, o papel cabe a políticos, ministros e cortes judiciárias, acumulando benefícios, auxílios e regalias.
Como na vida real, nem todos acreditam nas mentiras dos governantes e seus acólitos. Em (p. 80), “o velho Benjamim sabia que as coisas nunca haviam estado e nunca haveriam de ficar nem muito melhor nem muito pior: fome, cansaço e decepção era a lei imutável da vida”. O burro Benjamim é o trabalhador que, independente do presidente, do partido ou da ideologia, permanece à mercê da pobreza, sem esperança de que um dia o jogo vire.
Seguindo a narrativa, em (p. 81), “Napoleão emergiu com um chicote na mão, cercado por cães brincando à sua volta”, lembrando-nos das perseguições e intimidações a quem ousa pensar diferente das regras impostas pelo sistema.
Sansão, o cavalo robusto, trabalhou de sol a sol para construir o moinho de vento duas vezes, já que o primeiro foi destruído pelos rivais de Napoleão. Sansão nunca reclamava de nada, e seus lemas eram: “Napoleão tem sempre razão” e “trabalhar mais ainda”. Sonhava se aposentar aos 12 anos, mas, poucos meses antes, caiu de exaustão e foi vendido por Napoleão ao matadouro, onde foi usado como insumo para a fabricação de cola. Na vida real, Sansão é a imagem de milhões de trabalhadores que movem a engrenagem, mas com poucas esperanças de descansar e ter uma vida digna na velhice.
Na Granja do Solar, os líderes escreveram sete mandamentos que, com o passar do tempo, foram sendo reescritos ao sabor do regime. Três se destacam: “Nenhum animal beberá álcool”, “Nenhum animal matará outro animal” e “Todos os animais são iguais”. Mais tarde, tornaram-se, respectivamente: “Nenhum animal beberá álcool em excesso”, “Nenhum animal matará outro sem motivo” e “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”.
O resultado das mudanças nos mandamentos foi transformar o pasto dos aposentados em lavoura de cevada; a proibição de matar caiu por terra já nas primeiras manifestações de descontentamento; e a igualdade se converteu em privilégio reservado aos poderosos. Em termos brasileiros: foro privilegiado, imunidade parlamentar e aquela velha e conhecida impunidade sob medida.
Na cena final (p. 81), “lá dentro, em volta de uma mesa grande, estavam sentados meia dúzia de granjeiros e meia dúzia de porcos dentre os mais eminentes, Napoleão no lugar de honra, à cabeceira. (...) Um grande jarro circulava e os copos se enchiam de cerveja. Ninguém notou as caras admiradas dos bichos, que espiavam pela janela”. É a imagem perfeita de políticos e apaniguados brindando acordos escusos, enquanto o povo, admirado, mas sem força para agir, vive das mentiras e das migalhas da corrupção.
E, no fundo, nada mudou. Apenas trocaram as bandeiras e os slogans: os “mais iguais” continuam de copo cheio, brindando à própria esperteza; os “menos iguais” seguem na fila do osso. De tempos em tempos, oferecem uma ração de esperança - vencida, mas embrulhada num discurso populista - e a plateia, de olhos marejados, aplaude, como se o chicote fosse varinha mágica. Afinal, para manter a granja funcionando, sempre haverá um Sansão disposto a carregar o moinho… até o matadouro.
Por Walter Fontenele | Portalphb
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