O mundo sem trabalho e a nova classe dos "inúteis", segundo Yuval Harari
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📷Yuval Harari © Reprodução |
Historiador prevê que até 2050 surgirá uma massa global de pessoas consideradas “inempregáveis”, num cenário em que algoritmos e máquinas superarão as habilidades humanas em praticamente todas as áreas.
O avanço da inteligência artificial e da automação deve provocar mudanças profundas no mercado de trabalho nas próximas décadas. Mas para o historiador israelense Yuval Noah Harari, autor de best-sellers como “Sapiens - História Breve da Humanidade” e “Homo Deus”, o problema vai além da perda de empregos. Em artigo publicado no jornal britânico The Guardian, Harari alerta para a formação de uma nova classe social até 2050: a dos “inúteis”.
A palavra é forte, mas o autor a utiliza para descrever uma possível parcela da população que não será apenas desempregada - será “inempregável”. “O verdadeiro problema não será criar novos empregos. Será criar empregos que os humanos ainda consigam fazer melhor que os algoritmos”, afirma. A projeção se baseia na rapidez com que sistemas automatizados têm aprendido a realizar tarefas cada vez mais complexas, desde diagnósticos médicos até composições musicais e decisões judiciais.
Nesse cenário, surgem questões incômodas: o que farão essas pessoas durante o dia? Como manterão sua saúde mental? E, sobretudo, como encontrarão sentido para a vida em um mundo que não exige mais sua força de trabalho?
Harari propõe duas possibilidades. A primeira seria um sistema de renda básica universal - um pagamento mensal garantido para todos, independentemente de emprego. A segunda, mais controversa, seria o uso crescente de tecnologias imersivas, como realidade virtual e jogos digitais, como novos espaços de construção de sentido. “Antigamente chamávamos esses jogos de religiões”, ironiza o autor, ao comparar sistemas de pontos em games a promessas de recompensa espiritual.
O historiador cita como exemplo comunidades ultra ortodoxas em Israel, onde muitos homens vivem sem trabalhar, sustentados por familiares e pelo governo. Apesar da ausência de ocupação formal, essas pessoas relatam altos níveis de satisfação de vida - graças a um forte senso de pertencimento, rituais diários e narrativas coletivas.
Para Harari, o sentido da vida é uma ficção que os humanos sempre criaram para si mesmos - seja através do trabalho, da religião ou do entretenimento. A diferença é que, no futuro, essas ficções talvez não tenham mais nenhuma relação com produtividade.
A previsão provoca desconforto. Ao chamar uma parte da população de “inútil”, o autor escancara o viés tecnocrático de um mundo em que o valor do indivíduo passa a ser medido apenas pela sua capacidade de competir com máquinas. O risco, nesse caso, é que a exclusão digital não seja apenas econômica - mas existencial.
O debate, no entanto, está aberto. Se a automação é inevitável, talvez o desafio não seja resistir a ela, mas construir novas formas de pertencimento, de significado e de dignidade. Mesmo que o emprego tradicional perca espaço, o ser humano - com suas contradições, emoções e vínculos - ainda será insubstituível.
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