O mito da soberania diante da falência do pacto social
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📷Imagem Ilustrativa © Reprodução |
A contradição entre o discurso de soberania nacional e a realidade social brasileira marcada por desigualdade, violência e desmonte institucional.
Soberania, do ponto de vista político, é a capacidade de um Estado exercer plena autoridade sobre seu território e seu povo, assegurando direitos, ordem e justiça. No entanto, a invocação da soberania, muitas vezes, funciona mais como um artifício retórico do que como um reflexo da realidade social concreta. Quando parcelas significativas da população vivem sem acesso a direitos básicos - como segurança, saúde, educação e saneamento - a soberania deixa de ser um exercício pleno de cidadania e passa a ser um discurso esvaziado de legitimidade.
No Brasil atual, discursos nacionalistas exaltam a independência e o poder estatal, mas encontram contradições gritantes no cotidiano da população. Casos de violência contra idosos, como o assalto a aposentados do INSS, a precariedade dos serviços públicos e a impunidade diante da corrupção revelam uma profunda crise do pacto social.
A crítica à ideia de soberania emerge especialmente quando se constata que a violência não é apenas um problema de segurança, mas um sintoma da falência institucional. De acordo com Jessé Souza (2017), o Brasil mantém uma “ralé estrutural” invisibilizada, que é sistematicamente excluída das garantias estatais. Essa exclusão transforma o Estado em uma entidade seletiva, soberana apenas para os setores privilegiados da sociedade.
A ausência de saneamento básico em quase metade das residências brasileiras, conforme dados do IBGE (2023), evidencia que o acesso ao mínimo civilizatório ainda é um privilégio. Em regiões periféricas, a criminalidade avança não apenas pela falta de policiamento, mas pela ausência de políticas públicas integradas que garantam dignidade e cidadania.
Zygmunt Bauman (2011), ao refletir sobre a crise da modernidade líquida, observa que o Estado-nação vem perdendo sua capacidade de proteger os indivíduos, principalmente em contextos neoliberais, onde a lógica do mercado prevalece sobre os direitos sociais. Nesse cenário, a soberania se torna mais simbólica do que efetiva.
A soberania verdadeira não se expressa apenas por meio de símbolos nacionais ou discursos de força. Ela se manifesta na garantia de direitos, na segurança do cidadão, na transparência das instituições e na equidade das políticas públicas. Em um país onde aposentados são alvos de violência, onde milhões vivem sem saneamento, onde a corrupção é sistematicamente naturalizada, onde a justiça vale apena para os vulneráveis e para os opositores ao sistema, falar em soberania exige antes uma autocrítica profunda das estruturas do Estado.
Reconhecer essa fragilidade não é negar o país, mas uma tentativa de reconstruir um pacto social onde soberania não seja apenas um ideal, mas uma realidade vivida por todos.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD 2023.
Por Walter Fontenele | Portalphb
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