A Suscetibilidade Social à Manipulação por Líderes Religiosos e Políticos Corruptos: Uma Leitura Sociológica
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📷Imagem Ilustrativa © Reprodução |
Walter Fontenele - Graduado em Ciências Sociais (Antropologia) pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI - 2021.
RESUMO
Este artigo analisa, sob a ótica sociológica, os fatores que contribuem para que parcelas significativas da população continuem apoiando líderes religiosos e políticos envolvidos em escândalos de corrupção. A partir de uma revisão teórica baseada em Max Weber, Karl Marx, Serge Moscovici, Henri Tajfel, René Girard e Erich Fromm, argumenta-se que essa adesão não é resultado de ignorância individual, mas de mecanismos sociais estruturados, como a dominação carismática, a alienação, as representações sociais, o pertencimento identitário e a manipulação simbólica em contextos de crise. Conclui-se que tais fenômenos precisam ser compreendidos em sua complexidade, para que se possa construir uma consciência coletiva mais crítica.
Palavras-chave: dominação carismática; alienação; identidade social; manipulação simbólica; representações sociais.
1.INTRODUÇÃO
O apoio persistente e o amor incondicional a figuras públicas marcadas por escândalos de corrupção, especialmente no campo religioso e político, levantam questões que vão além do juízo moral. Em vez de se restringir à explicação individualista, este artigo propõe uma leitura sociológica do fenômeno, partindo do princípio de que tais comportamentos são socialmente condicionados por estruturas simbólicas, afetivas e institucionais.
Partindo de uma abordagem teórica, será discutido como as noções de carisma, alienação, identidade social e representação coletiva ajudam a compreender por que, mesmo diante de evidências de má conduta, muitos indivíduos continuam defendendo cegamente certos líderes. A análise aqui apresentada busca contribuir para a reflexão crítica sobre os mecanismos de manutenção da autoridade ilegítima em contextos contemporâneos.
2.FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Dominação carismática (Weber)
Max Weber (1994) classificou as formas de dominação legítima em três tipos: tradicional, legal-racional e carismática. Esta última se refere à autoridade exercida por indivíduos que são percebidos como detentores de qualidades extraordinárias ou “sagradas”. A dominação carismática não se baseia em regras nem instituições, mas na crença emocional e afetiva da massa em relação à figura do líder.
Nas palavras do autor, trata-se de uma “qualidade extraordinária pessoal de um indivíduo” que o torna apto a ser tratado como “um chefe” (WEBER, 1994, p. 191). Isso explica por que líderes religiosos e políticos desonestos e que usufruem do dinheiro publico continuam sendo seguidos, mesmo após várias e várias denúncias de corrupção: sua autoridade reside menos no que fazem e mais no que simbolizam.
2.2 Alienação e promessa de salvação (Marx)
Karl Marx (2010), ao analisar o papel da religião nas sociedades capitalistas, afirmou que ela funciona como uma forma de alienação: um alívio ilusório para os sofrimentos reais vividos pelas massas. Ao descrever a religião como “o ópio do povo”, Marx denuncia não a fé em si, mas a sua instrumentalização para manter as estruturas de exploração.
Essa crítica pode ser estendida ao campo político, onde líderes se aproveitam da carência e do desespero coletivo para oferecer soluções redentoras e messiânicas, enquanto perpetuam práticas corruptas para enriquecimento pessoal e familiares. A alienação, nesse contexto, impede a consciência crítica e alimenta a fé cega.
2.3 Representações sociais e naturalização da autoridade (Moscovici)
Segundo Serge Moscovici (2003), as representações sociais são formas de conhecimento socialmente construídas que moldam a percepção dos indivíduos. São, portanto, “modos de interpretação do real” que se tornam naturais e incontestáveis. No caso dos líderes religiosos e políticos, essas representações são continuamente reforçadas pelos discursos, mídias e instituições que os cercam.
Assim, expressões como “homem de Deus” ou “salvador da pátria” passam a integrar o senso comum, dificultando o questionamento racional. A crítica a esses líderes se torna, muitas vezes, um ataque à própria identidade coletiva de seus seguidores.
2.4 Identidade social e lealdade grupal (Tajfel)
Henri Tajfel (1982) propôs a Teoria da Identidade Social, segundo a qual os indivíduos constroem sua autoestima a partir do pertencimento a grupos sociais. Esse pertencimento implica fidelidade, defesa e resistência a críticas externas. Quando o líder passa a representar o grupo, sua figura torna-se “sagrada” e inquestionável.
Dessa forma, contestar o líder é vivenciado como uma ameaça ao próprio pertencimento (grupo). Isso explica a fidelidade incondicional observada em certos grupos religiosos ou eleitorados políticos, mesmo diante de comportamentos eticamente reprováveis por parte dos líderes.
2.5 Crise, medo e o bode expiatório (Fromm e Girard)
Erich Fromm (2001), ao analisar os efeitos da liberdade sobre o indivíduo moderno, argumenta que muitos optam pela submissão a autoridades autoritárias como forma de escapar da angústia existencial. A obediência cega é, nesse caso, uma tentativa de obter segurança e tentar galgar degraus que seriam impossíveis fora desse contexto de adoração e apoio incondicional aos crimes praticados por seus lideres.
René Girard (2008), por sua vez, mostra como, em tempos de crise, líderes autoritários constroem inimigos simbólicos - os chamados “bodes expiatórios” - para desviar a atenção das verdadeiras causas dos problemas. Tal estratégia reforça a autoridade do líder, ao mesmo tempo em que alimenta a coesão do grupo.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise apresentada neste artigo evidencia que a adesão a líderes religiosos e políticos corruptos é sustentada por mecanismos sociais complexos, que envolvem carisma, alienação, identidade grupal e manipulação simbólica. Esses fenômenos não se explicam apenas por ignorância ou má-fé individual, mas por estruturas que produzem e reproduzem desigualdades simbólicas e afetivas.
Reconhecer tais mecanismos é essencial para o fortalecimento de uma cultura crítica, capaz de resistir a formas autoritárias de poder e de promover o engajamento político e religioso baseado na ética e na justiça social.
REFERÊNCIAS BIBIOGRÁFICAS
FROMM, Erich. O medo à liberdade. Rio de Janeiro: Zahar, 2001;
GIRARD, René. O bode expiatório. São Paulo: É Realizações, 2008;
MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2010;
MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003;
TAJFEL, Henri. Social identity and intergroup relations. Cambridge: Cambridge University Press, 1982;
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília: Editora da UnB, 1994.
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