A Fera de Macabu, um dos maiores erros da Justiça brasileira

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A pena de morte sempre traz a dúvida se ela foi aplicada de acordo e para a pessoa certa. É por isso que ela foi abolida em muitos países, inclusive no Brasil, onde o caso de um dos últimos executados sob os rigores da lei provoca até hoje discussões entre especialistas e a dúvida entre quem passa a conhecer os detalhes dos crimes supostamente praticados por Manuel da Mota Coqueiro, conhecido como “A Fera de Macabu”.

Mota Coqueiro era um rico fazendeiro e comerciante da região de Campos dos Goytacazes, no norte do estado do Rio de Janeiro. Nascido em 1799 logo ele e a esposa ampliariam os negócios e recursos herdados de suas famílias, tendo chegado a possuir cinco fazendas ao mesmo tempo entre onde hoje ficam as cidades de Campos de Goytacazes e Macaé. Embora conhecido por ser rígido e áspero no trato com as pessoas, Mota Coqueiro só teria a sua tranquilidade abalada quando foi acusado de mandar executar uma família de colonos que residia e trabalhava em suas terras.

A expansão dos negócios de Mota Coqueiro e da esposa haviam sido solidificados na base da exploração da mão de obra escravizada e da apropriação indevida de terras que não lhes pertenciam – inclusive roubando terras dos jesuítas. Com a lei Eusébio de Queirós, que acabou com o tráfico negreiro, Coqueiro passou a repor sua necessidade de trabalhadores com o sistema de parcerias com meeiros ou colonos livres. Um desses era o trabalhador Francisco Benedito da Silva que se mudou com sua numerosa família para o seu novo lar. Só que uma das filhas de Francisco, chamada Francisca, teve um caso com o fazendeiro e engravidou. Não se sabe se a gravidez foi pensada pela moça, mas o pai ao descobrir teria começado a pressionar o fazendeiro por dinheiro e vantagens no acordo que fizeram anteriormente para a exploração das terras.

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Mota Coqueiro, A Fera de Macabu

A crise entre eles se tornou pública e ambos os lados passaram a se provocar e em uma ocasião, dentro das próprias terras, o fazendeiro foi atacado e ferido por Francisco e um amigo. Mota Coqueiro não era querido na região, tinha diversos inimigos e, embora rico, nem os demais fazendeiros o suportavam. Mas Francisco também tinha seus desafetos além do fazendeiro.

Em uma noite muito chuvosa de 1852, o meeiro e toda a sua família foram surpreendidos pela invasão da sua casa. Oito negros armados com facões colocaram abaixo a porta de madeira da casinha simples, entraram e mataram toda a família do desafeto do fazendeiro, deixando escapar apenas Francisca, que estava grávida. Não foram poupados Francisco e a esposa, três filhos adolescentes e nem três crianças, um com apenas três anos de idade. Até os animais do meeiro foram mortos a golpes de facão.

Durante o horário do crime, Mota Coqueiro estava na sede da fazenda, distante não mais que dois quilómetros do local da tragédia, em uma reunião com muitos comerciantes de madeira, mas ninguém ouviu ou percebeu nada, nem no momento ou nos dois dias seguintes. Francisca, a moça grávida, fugiu durante quase dois dias pelas matas até chegar na fazenda de André Ferreira dos Santos, desafeto de Mota Coqueiro. André e outro fazendeiro, Julião Batista Coqueiro, primo de Mota, o acusaram de ser o mandante do crime. Evidências, segundo eles, é o que não faltavam: os negros seriam escravos cumprindo ordens, e a moça foi poupada em razão do amor do ex-amante por ela.
Uma investigação cheia de erros e a popularização da “Fera”

Durante a fase inicial das investigações, dois funcionários de Mota Coqueiro foram presos, Florentino da Silva e Faustino Pereira, assim como um escravo chamado Domingos. Inicialmente recaiu sobre eles a acusação de terem mandado barbarizar a família do desafeto. Faustino Pereira, conforme se descobriu, era procurado pela Justiça por ter assassinado um tio cerca de 20 anos antes. Balbina, uma escrava da Fazenda Bananal, de propriedade de Mota Coqueiro, acusou alguns dos escravos. Supostamente a escrava agiu por vingança, já que o negro que ela acusou de ter recrutado os demais para o crime tinha sido seu amante e a trocara pela esposa. Mota Coqueiro, assim que ocorreram as primeiras prisões, fugiu à cavalo, sendo capturado um mês depois em uma fazenda já fora das áreas de Campos de Goytacazes.

A legislação de 1832, usada à época, não permitia que escravos testemunhassem contra seus senhores, mas poderiam depor em juízo na qualidade de informantes, não prestando juramento. Assim foram ouvidos vários escravos das fazendas de Mota Coqueiro e o acusado passou a ser tratado na imprensa como “A Fera da Macabu”. O julgamento transformou-se em um circo consentido pela Justiça. Até as roupas ensanguentadas das vítimas foram expostas nas ruas da cidade, embora fossem provas materiais do crime. E quem apresentou as roupas foi justamente a escrava Balbina, que jamais explicou como se apossara delas.

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Dispostos a condenar a qualquer custo o fazendeiro – sendo ele o autor, ou não, do crime – a Justiça impediu que seus advogados convocassem os fazendeiros que estavam em reunião com ele no momento dos assassinatos, além de indispor uma série de dificuldade para a apresentação de contraprovas e testemunhas de defesa. O feitor, apontado como um dos mandantes e organizadores do crime, fugiu, assim como parte dos escravos. No primeiro julgamento, Coqueiro foi condenado à morte, resultado similar ao segundo.

Dom Pedro II e a fera, perdão negado

Embora não estivesse convencido da autoria do crime, o Imperador Dom Pedro II, a quem cabia a possibilidade de conceder a graça imperial, transformando a pena de morte em prisão perpétua, negou seu perdão. É bem provável que a ampla repercussão do caso e o histórico do fazendeiro tenham pesado na tomada da decisão.

Embora tenha recorrido da decisão até as últimas instâncias, a execução de Mota Coqueiro, A Fera de Macabu, se deu no dia 06 de março de 1855. No tempo em que esteve preso, de sua numerosa família, o fazendeiro recebeu apenas as visitas de um enteado e negou, até o último instante qualquer participação nos crimes. O local do enforcamento é atualmente a pista de atletismo do Colégio Estadual “Luiz Reid” em Macaé.

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Local do enforcamento do fazendeiro Mota Coqueiro é hoje a pista de atletismo de um colégio (imagem meramente ilustrativa)

Teses e teorias sobre o verdadeiro mandante e sobre quem seria de fato “A Fera”

Uma coisa é certa, Mota Coqueiro não teve resguardado o direito à ampla defesa. Seus advogados foram ameaçados, muitos desistiram de participar do processo, o juiz do caso negou a convocação de testemunhas de defesa, invalidou provas apresentadas e houve, conforme alguns, facilitação da fuga de alguns dos escravos que poderiam afirmar quem os teria mandado matar a família do meeiro. Além disso é inexplicável a escrava Balbina ter apresentado as roupas das vítimas, alegando que as mesmas tinham simplesmente aparecido em sua casa.

Um pouco antes de ser executado, Coqueiro conversou com um padre – ato normal na pena de morte. O pároco saiu transtornado da cela, o que levantou a possibilidade dele ter confessado a autoria do crime, ou, segundo outros, ter apontado o real mandante. Historiadores sustentam que em uma das suas visitas, um escravo do fazendeiro o avisou que tinha sido a esposa, enciumada com a gravidez da filha do meeiro, que tinha mandado matar a família rival, e que ter deixado a moça viva tinha sido uma ordem explícita para culpar o marido, de quem estava com ódio. E que seu primo, Julião Batista, agira para conduzir o julgamento e a fuga dos escravos.

Mota Coqueiro é apontado por muitos como o último homem livre a ser executado no Brasil, o que não é verdade. Após ele, ao menos duas dezenas de pessoas ainda seriam condenadas à morte e penalizadas. Mas esse fato será tema de um próximo artigo. O que se pode afirmar sobre o caso Mota Coqueiro, entretanto, é que se tratou de um dos maiores, senão, o maior erro do judiciário brasileiro.

Fonte: brasildrummond.com.br
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